Essa discussão é antiga, mas está cada vez mais atualizada em virtude dos novos estudos da neurociência e da genética comportamental, que confirmam a tese de que nosso comportamento sofre influência dos genes.
Vejamos alguns casos reais, entre milhares, que podemos citar:
O escritor Alexandre Dumas, de Os Três Mosqueteiros, é pai do escritor Alexandre Dumas, de A Dama das Camélias;
O cantor Xororó é pai de uma dupla que faz mais sucesso do que ele – Sandy e Júnior;
Leopold, um esforçado violinista austríaco, é pai de Mozart;
Érico Verissimo é pai de Luís Fernando Verissimo;
Fernanda Torres é filha dos consagrados Fernando Torres e Fernanda Montenegro.
Mas essa teoria que diz que a inteligência pode ser hereditária, causa muita controvérsia.
Principalmente pelos casos em que se prova o contrário.
Afinal, o que separou Pelé, o maior jogador da história, de seu filho Edinho?
Cameron Douglas, filho do ícone do cinema, Michael Douglas, foi preso em 2009 por tráfico de heroína, e passou cinco anos na prisão;
Tom Jones, o cantor lendário e juiz do The Voice americano, teve um filho com a modelo Katherine Berkery, em 1987, e só fez o reconhecimento da paternidade em 2008. Será que o fato de não reconhecer seu filho, pesou para o menino, que acabou se tornando um criminoso?
A crença na hereditariedade de traços intelectuais causou muitas tragédias no passado. Tudo começou no século 19, após a publicação de “A Origem das Espécies”, por Charles Darwin. Seu primo Francis Galton aplicou a teoria da seleção natural para humanos, criando a infame Teoria Eugênica, que aventa a possibilidade de aprimorar a raça humana com cruzamentos genéticos planejados.
A preocupação com a degeneração da raça era tão comum no começo do século 20 que cientistas saíram em busca do humano ideal, livrando-se do “imperfeito”. Esse desejo foi às últimas consequências em 1907, quando o estado americano de Indiana aprovou uma lei de esterilização obrigatória para “criminosos, idiotas, estupradores e imbecis”. Estima-se que 60.000 esterilizações forçadas tenham sido realizadas. Em 1927, a Suprema Corte americana permitiu a esterilização de uma doente mental argumentando que “três gerações de imbecis são o bastante”. A eugenia esteve presente em todo o mundo, e a Alemanha nazista se notabilizou por isso.
Esses desastres deram um mau nome para a genética e a tese de que o talento passa de pai para filho passou a ser identificada como antidemocrática e preconceituosa. Hoje, entretanto, a própria ciência oferece substrato para o multiculturalismo e a tolerância racial. A mal falada genética comportamental admitiu que os genes só apontam tendências, e não impondo destinos inexoráveis. “As influências genéticas no intelecto existem, mas estão mergulhadas na interação entre genes, psicologia e desenvolvimento. Não são diretas, nem irreversíveis, nem inescapáveis, nem inevitáveis”, diz o cientista alemão Volkmar Weiss.
Uma pesquisa de neurocientistas americanos e finlandeses, de dezembro de 2001, avançou muito na questão da falta de ligação entre hereditariedade e inteligência. O estudo comparou dez pares de gêmeos idênticos e dez pares de gêmeos fraternos. Todas as 40 pessoas, na idade entre 33 e 51 anos, passaram por testes de QI e exames cerebrais de ressonância magnética. O resultado: 95% dos gêmeos idênticos – com exatamente o mesmo genoma – alcançaram níveis de QI muito semelhantes. Já entre os gêmeos fraternos – que compartilham metade dos genes – isso aconteceu com só 60% deles.
Aconteceu o que os geneticistas esperavam: quem tinha genoma igual tirou nota quase sempre igual; quem tinha genoma 50% igual tirou nota 50% diferente.
Então pode-se afirmar que um casal talentoso gerará apenas filhos talentosos? Não. E quem pode negar essa hipótese com autoridade é a estudante Ann McMillan Nunes, 19 anos, americana de Santa Clara, Califórnia. Ela é fruto do Repositório de Escolha Germinal, um banco de esperma criado em 1981 por um magnata californiano chamado Robert Graham. Usando apenas o esperma de vencedores de Prêmios Nobel e óvulos de mulheres de alto QI, Graham pretendia criar uma geração de gênios. Ann, nascida a partir de um espermatozoide de Edwin McMillan, Nobel de Química de 1951, deveria ser um deles. “Eu me considero uma pessoa inteligente e feliz, mas não mais inteligente nem mais feliz que a média”, diz ela.
Outro método de pesquisa bastante útil compara filhos adotivos com os pais sociais e com os biológicos. Se os garotos têm comportamento parecido com o dos pais adotivos, então a transmissão foi cultural. Se eles lembram mais os pais biológicos, de quem se separaram com poucos meses de vida, a herança é genética. Em 1977, os pesquisadores dinamarqueses Mednick e Christiansen compararam a ficha policial de homens adultos que foram crianças adotadas na década de 50 com a ficha policial dos pais adotivos e dos pais naturais. O resultado mostrou que o comportamento era mais influenciado pela genética que pela convivência. Quando o pai adotivo tinha a ficha suja, 12% dos filhos seguiam o mesmo caminho. Quando os pais biológicos tinham conduta violenta, a estatística passava para 22% dos filhos com o mesmo comportamento.
Mas a pesquisa também ajudou a demonstrar que o ambiente tem seu poder: quando os dois pares de pais haviam cometido crimes, o número de filhos criminosos pulava para 36%. Mesmo assim, em nenhum dos casos a taxa passava de 50%. Prova de que o que passa de pai para filho, seja pela genética ou pelo convívio familiar, são tendências e não destinos inexoráveis.
Segundo Carmen Mendoza, professora de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais, o peso da genética na formação da inteligência é de 70%, e não se pode aumentar muito a inteligência de uma pessoa. A professora se baseia em três estudos realizados na década de 70 com crianças de até dez anos. Nos três, melhoraram a saúde, a nutrição e a educação das crianças, mas o QI subiu apenas dez pontos.
Alguns cientistas, mais humanistas, sequer reconhecem a validade dos testes de QI, usados em quase todas as pesquisas sobre hereditariedade de traços intelectuais. “É claro que a inteligência pode ser medida”, diz Carmen. “Por acaso deficientes mentais são iguais a gênios? Cada especialista pode ter sua opinião, mas para convencer a comunidade científica é preciso apresentar dados, e não usar a base emocional”, afirma.
Enfim, algumas pessoas acham que o homem é único, contraditório, imprevisível, outras são fascinadas por esse complexo mecanismo bioquímico e consideram uma rebeldia a vontade do homem de se achar maior que ele. Tudo leva a crer que a resposta certa não seja assim tão binária, mas uma combinação desses dois conceitos.
Baseado no texto de Leandro Narloch
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